FELIZ ANO NOVO?

 

 

Mais um ano chega ao fim e repete-se o de sempre: as pessoas mostram-se compassivas e solidárias; milhões, mundo afora, clamam veementemente por paz e desejam ao próximo que ele consiga realizar todos os seus sonhos, etc. Provavelmente, desde que o ser humano adotou o conceito "ano", para delimitar as fases da vida, este fenômeno vem se repetindo. Então, por que o mundo não melhora? Por que as tão sonhadas paz e felicidade não chegam? A resposta não é difícil de ser encontrada, através da observação imparcial de si mesmo e do mundo à nossa volta; não é preciso perguntar para ninguém. Entretanto, a habitual observação egocêntrica, que inconscientemente utilizamos para avaliar as coisas, é sempre favorável ao observador, e unicamente nos leva a perceber os defeitos de nossos semelhantes e as nossas virtudes, sendo que esta atitude só contribui para piorar ainda mais o mundo.

Um exemplo que pode ser citado, do comportamento tendencioso do ego humano, é aquele de como os adultos educam as crianças. Somos extremamente rigorosos com os pequeninos e raramente estamos dispostos a satisfazer aquilo que classificamos como os seus caprichos; no entanto, não medimos esforços para satisfazer os nossos próprios (que o interessado nunca considera como tal, mas necessidade real). E pais ou responsáveis não sentem constrangimento algum por usarem medidas diferentes, para rotular os seus caprichos, daqueles que as crianças têm. É claro que satisfazer desejos, já nos foi alertado por aqueles que alcançaram a Felicidade, é errado, e, por isto, a disciplina imposta a elas deveria ser regra geral e aplicada com mais rigor sobre si mesmo. Crianças e adolescentes não entendem por que recebem tantos "não", se os adultos estão sempre dizendo "sim" para eles mesmos, e acabam tornando-se revoltados e decididos a, quando forem independentes, também fazer o que lhes der vontade. O que acontece, então, podemos ver por aí. A forma mais eficaz e não traumática de ensino, ocorre através do exemplo de vida. Esta afirmação foi confirmada várias vezes, ao longo da história espiritual da humanidade, e por testemunhos de um passado recente: muitos discípulos do Sábio de Arunáchala, Bhagavan Ramana Maharshi, não conversavam com o Mestre, pois Ele falava pouquíssimo, mas, apenas por observar seu comportamento no dia a dia, perceberam seus erros e, por vontade própria, corrigiram o rumo de suas vidas. As imposições de hoje, por quem não tem autoridade para impor regras, acarretam a rebeldia de amanhã.

 

Após este desvio, voltemos ao assunto-título. Uma das causas pelas quais todo ano novo acaba sendo idêntico ao velho é que, quando o primeiro começa, todas as decisões tomadas sob aquela passageira atmosfera de boa vontade, são esquecidas e, passado aquele momento, voltam as habituais tendências mentais e mergulhamos novamente no turbilhão da vida cotidiana. O estranho é que a maioria esmagadora dos homens não percebe ou prefere ignorar isto. Tudo o que nos aconteceu de ruim, durante os últimos 365 dias, é esquecido, e prosseguimos com a mesma vida sem sentido dos anos anteriores. Todo fim de ano festejamos, apenas com o intuito de esquecer as frustrações e acumular forças para suportar o seguinte, que a maioria finge acreditar que será bem melhor...

Há algum tempo, obtive a confirmação interior de que, neste exato instante, temos tudo que é necessário para vivermos em paz e incondicionalmente felizes; mas, por acharmos que ainda faltam realizar muitos sonhos e alcançar muitos objetivos, continuamos infelizes e insatisfeitos com o que temos e somos. Como já escrevi em outra ocasião, infelizmente esta confirmação interior não é suficiente para vivenciarmos a Paz e a Felicidade que estão aqui e agora (Reino de Deus), pois, se fosse suficiente, quem escreve este texto seria um Sábio. Não, a realidade é outra: aquele conhecimento deve criar profundas raízes dentro de nós e isto demora bastante tempo para acontecer, devido à terrível reação do grande inimigo, que não quer, de maneira alguma, ser destronado... Contudo, o simples conhecimento intuitivo (isto é, independente de opiniões próprias ou dos outros) de que a Existência não pode ser do jeito que nos ensinaram, já nos permite enxergar a tragicomédia que é aquilo que chamamos "vida".

É opinião generalizada que as pessoas que, publicamente, mobilizam-se pela paz ou, simplesmente, que clamam por ela em fim de ano, ajudam a melhorar o mundo. No entanto, se isto fosse verdade, já deveríamos estar percebendo os efeitos deste método de ação; mas, contrariamente, é só alguém sair na rua, para sentir que o mundo está cada vez menos pacífico. Contribui, sim, para a Paz, nos ensinam os Sábios, quem, em silêncio e discrição, busca, antes de qualquer outra coisa, pacificar-se a si mesmo ("Buscai, antes de tudo, o Reino de Deus" - o Cristo). Como a quantidade destes últimos é muito pequena, porque, repetindo: é muito mais fácil tentar mudar o mundo, do que tentar mudar-se a si mesmo, está explicada a situação atual em que vivemos. Quem ainda não tornou-se um verdadeiro Pacifista (quem escreve, inclusive), melhor fará se ficar quieto no seu canto, pois, então, haverá menos gente para atrapalhar a Paz.

Apesar da grande confraternização mundial que ocorre na época de natal e réveillon, com beijos, abraços, presentes, lágrimas e votos de paz, saúde, dinheiro, etc., continuamos sofrendo no ano seguinte, porque se os votos de terceiros tivessem poder para mudar o destino de alguém, todos os seres humanos seriam ricos e gozariam de saúde perfeita. Na verdade, o que se realiza teria acontecido mesmo sem os votos dos outros, pois cada um é o único responsável por tudo o que acontece em sua vida; portanto, desejar verbalmente qualquer coisa para os nossos semelhantes, não passa de uma convenção social. Repetindo e repetindo, até que esta Verdade (água mole) fure a pedra dura (nossos corações): o motivo do sofrimento constante é o erro de acreditarmos que a Felicidade depende de qualquer coisa exterior a nós mesmos (bens materiais, parentes, amigos, etc.). Esta crença impele o ser humano a fazer o que for necessário para conquistar aquilo que, ele supõe, o fará feliz. Como todos pensam erroneamente igual, o que vemos por aí é uma corrida desenfreada pela satisfação de prazeres, um passando por cima dos outros e, nestas horas, ninguém quer saber de paz, amizade ou parentesco: é cada um por si. O único poder capaz de nos tirar desta lamentável situação, não manifesta-se através dos votos de parentes e amigos mas, sim, através da percepção interior de que estamos vivendo de forma errada, apesar de todo o mundo (inclusive o nosso próprio ego/mente) dizer que é a certa. Quem se deixa enganar e repete o que ouvimos desde sempre: "Isto é assim mesmo, faz parte", está semeando infelicidade que, cedo ou tarde, terá que colher.

Continuo bem abaixo do status de pessoa Santa ou Sábia; mas, olhando para trás, hoje em dia consigo perceber tudo de mau e degradante que já fiz e ainda faço na vida, de forma que entendo perfeitamente a causa de todas as dificuldades que enfrento. Observo os demais seres humanos e vejo que cometem os mesmos erros; a maioria, porém, se acha boa e justa e, por isto, não entende por que sofre tanto. Quem digita o texto, sabe-se ignorante e está tentando evoluir; mas, a mesma preocupação consciente não ocorre àqueles que se acham perfeitos. Por exemplo: outro dia alguém me disse que quase foi assaltada e que foi Deus quem livrou-a dos bandidos. Esta frase mostra perfeitamente como funciona o grande inimigo da humanidade, o "adversário" ou "tentador", desmascarado pelo Cristo: o ego de cada um, e não uma entidade ou poder exterior, que fica flutuando por aí, aguardando o momento certo para penetrar em suas vítimas e causar-lhes mal. Esta entidade interior sempre se considera perfeita e justa; portanto, "Deus" sempre a protege contra todo o "mal", pois ela merece a atenção especial do Criador. De nada adiantaria, na ocasião, eu falar que, seja lá o que for que cada um considere como "Deus", se Ele pensasse e tivesse as mesmas opiniões que nós, Ele não seria DEUS, seria apenas um homem. Não sei o que DEUS é, mas sei o que Ele não é. Ele não é nada do que achamos que Ele seja, pois o que pensamos são opiniões, que nada têm de verdadeiras. O que consideramos "bondade", "maldade", etc., não são Verdade, são conceitos criados pelo homem e DEUS não pode estar sujeito a quaisquer enquadramentos. De nada adiantaria, na ocasião,  eu falar que se DEUS fosse parcial e levasse em consideração os conceitos mundanos e opiniões pessoais ("Sou uma pessoa boa"), Ele não seria DEUS, seria apenas um homem. A verdade é que a pessoa escapou dos "bandidos", porque ela não estava destinada a ser assaltada. Não deveríamos atribuir, a DEUS, atitudes tendenciosas, pois Ele, como bem disse o Senhor Jesus, faz nascer o sol sobre todos os homens, independentemente de como o mundo os classifique; isto é, Ele é imparcial e imune às opiniões mundanas. Os Sábios ensinam que a lei de causa e efeito (carma ou destino) é uma realidade da qual ninguém pode escapar e que, o seu destino atual, cada um teve, anteriormente, o livre-arbítrio de construir (não entendo como o mecanismo funciona, mas, como isto é dito por homens nos quais confio, acredito...). Na ocasião citada neste exemplo, percebi que não adiantaria falar o que escrevi aqui, e fiquei calado, mas guardei no fundo do Coração aquela lição, para tentar não cometer o mesmo erro e espero que, brevemente, aquela pessoa compreenda o seu engano.

Evito desejar feliz ano novo para os outros, porque, para sermos realmente felizes, precisamos reconhecer e cotizar corretamente todas as relatividades da vida e o termo "ano" é apenas um conceito, dentro da relatividade conhecida como "tempo". Não precisamos recorrer à famosa teoria de Einstein, para percebermos a inconsistência do tempo: basta refletirmos sobre o exemplo a seguir. Imagine duas pessoas à beira de uma longa estrada reta e plana, sentadas à sombra de uma grande árvore. Se as duas olharem para um dos lados da estrada, verão, ao mesmo tempo, os veículos aparecendo e desaparecendo, lá longe. Então, para elas, naquele momento, o tempo "presente" é o mesmo. Suponhamos, agora, que uma das pessoas suba até os galhos mais altos da árvore e volte-se para o mesmo lado da estrada para onde está olhando a pessoa que ficou lá embaixo. O que acontece, nesta situação? A pessoa no alto enxerga mais longe do que aquela, no chão; portanto, os distantes veículos que estão no "presente" para quem está no alto da árvore, pois já estão sendo vistos por ela, ainda estão no "futuro" para quem está no chão, pois só serão vistos depois de algum tempo. Após os veículos passarem pelo ponto onde elas estão, em algum momento eles serão "passado" para a pessoa no chão (que não os verá mais), mas ainda serão "presente" para aquela no alto da árvore. Como o tempo pode ser tratado como absoluto (real por si só), já que, um mesmo instante, pode ser passado, presente ou futuro, como demonstrado acima? Tão inconsistentes quanto estes três, são os demais conceitos temporais (dia, mês, ano, etc.), pois também dependem de referenciais, e, pelo fato de aceitá-los e difundi-los como absolutos, dando a estas relatividades muito mais importância do que elas merecem, contribuímos para aumentar a infelicidade geral. Mesmo que não concorde com o que leu acima, sobre a validade do tempo e suas consequências, tente refletir sobre a seguinte frase: Quando pararmos de dar valor ao 'ano novo', não nos decepcionaremos mais por vê-lo, rapidamente, transformando-se em 'ano velho'. Os festejos duram pouco; mas, as decepções que eles causam, duram muito...

Pela parábola da árvore, é possível termos uma ideia do alcance da percepção de um Sábio. Eles são aqueles homens que, por Seus esforços, galgaram até o mais alto galho da mais alta árvore, de infinita altura; então, Eles têm plena e ininterrupta Consciência de toda a Existência e nada, por mais longe que esteja no espaço ou no tempo, escapa de Sua percepção (não sensorial e não relativa). Para Eles não existe "longe", "perto", "passado", "presente" e "futuro", pois eles vivem no eterno Aqui e Agora (Reino de Deus). Importante é frisar que os Sábios não se identificam com corpo material, mente e sentidos (visão, audição, etc.), manifestações estas que estão no reino da relatividade e que, portanto, estão sujeitas ao tempo e ao espaço. A não identificação com corpo/mente explica as aparentemente absurdas frases de Jesus Cristo: "Em verdade, vos digo: antes que Abraão fosse (existisse), eu (não o homem Jesus) sou (existo)" (João, 8.58); e de Ramana Maharshi: "Dizem que estou morrendo; mas, não vou embora: Eu (não o homem Ramana) estou aqui".

 A razão da página "Os Destruidores de Ilusões" é exatamente esta: contribuir para a destruição das ilusões que nos escravizam ao mundo e à infelicidade, divulgando os ensinamentos dos homens com autoridade comprovada para realizar tal 'milagre', sendo, este conhecimento, o único indispensável à nossa evolução consciente. Todos os demais conhecimentos que possuímos (que são relativos) e dos quais nos orgulhamos tanto, um dia terão que ser colocados em seus devidos lugares, pois, por ainda considerá-los absolutos, são fardos que penosamente arrastamos, existência afora. A motivação desta página, antipática para o ego, provavelmente a coloca entre os sites mais impopulares da internet; porém, para não cometer hipocrisia, não posso seguir o que determina o manual do bom e simpático cidadão, desejando feliz ano novo para você, leitor(a). Pensei em desejar boa sorte; mas, até mesmo isto não é necessário. Então, vou finalizar apenas citando a mensagem auspiciosa dos Sábios: embora, nos momentos difíceis, o ser humano acredite que foi esquecido ou injustiçado pela Força Superior, Ela está sempre atenta e ministrando, em doses suportáveis, o indispensável amargo remédio que, no devido dia de cada um, vai acabar por curá-lo de todos os males da vida...

 

 

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23/12/2007

 

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