DÁDIVAS DIVINAS

 

 

Observo, com bastante frequência, a expressão "graças a Deus!" ser usada em agradecimento por coisas prazerosas, que recebemos ou vivenciamos. No entanto, os exemplos de vida dos homens que realmente conhecem a Força Superior (aqui chamada "DEUS"), indicam que este hábito é errado. Muitos que se apresentam como guias espirituais abonam/estimulam publicamente este erro, assim contribuindo para disseminar, mais longe e mais rapidamente, a impressão de que tal forma de gratidão é correta. Os pregadores religiosos profissionais, que encontramos com facilidade mundo afora, são capazes de proporcionar um pouco de consolo temporário às almas desorientadas, já que sabem como dizer exatamente aquilo que queremos ouvir; mas, eles não podem nos libertar da ignorância espiritual, pois estão na mesma lamentável situação...

 

Afirmou o Cristo: "Meu Reino não é deste mundo". Como Ele mencionou várias vezes, o Seu reino é o "Reino de DEUS"; portanto, se o reino do Cristo não está no mundo que nos rodeia, então este mundo não é de DEUS. Além disto, se este mundo fosse Dele, seria inexplicável a via-crúcis de Jesus, que a maioria dos cristãos diz ser o filho único do Altíssimo. Qual pai permitiria que seu único filho sofresse e morresse daquela forma, ainda mais se tal pai fosse o Todo-Poderoso Senhor do mundo?

Afirmou o Cristo: "O que é precioso para o homem, é abominável para DEUS". Por causa de frases antipáticas como esta, o Grande Instrutor foi pregado em uma cruz. Poucos aceitam que alguém destrua as suas ilusões, por mais autêntico e sublime que seja o destruidor de ilusões. Porém, a frase foi dita e não há como escaparmos dela, pois quem a disse nunca erra ou tenta enganar os outros: tudo que achamos ser bom/bondade, na verdade é mau/maldade. E quais são as coisas que consideramos boas/preciosas? São aquelas que nos causam prazer. Após tomarmos conhecimento deste ensinamento, é demonstração de fraqueza continuarmos atribuindo, a DEUS, as dádivas "preciosas" que recebemos (bens materiais, prazeres, etc.). Portanto, paremos, imediatamente, de vincular conquistas/prazeres mundanos a DEUS, pois isto é a pior das heresias.

Afirmou o Cristo: "Quem não está comigo, está contra mim". Segundo o próprio, está com Ele (e, consequentemente, com DEUS) apenas quem segue (pratica) Seus ensinamentos: não basta concordar com Suas palavras, achá-las bonitas, ou se autointitular "cristão". Então, quem não segue os passos do Cristo, não está com DEUS; e, não estando com Ele, automaticamente está contra Ele, isto é: está com o inimigo de DEUS.

Nos Evangelhos do Novo Testamento, o inimigo de DEUS é chamado "adversário". Mas, quem é o adversário de DEUS? Será a tal figura com chifres, que mora num lugar chamado "inferno"? O ensinamento implícito nas Escrituras Sagradas que conheço, é menos espetacular e mais duro de aceitar: o adversário de DEUS está dentro de nós mesmos e é conhecido como "egoísmo" (para reduzir o impacto constrangedor desta palavra, hoje em dia o adversário é venerado como "amor-próprio" ou "autoestima").

Tudo o que fazemos para satisfazer nossas vontades, paixões, caprichos e impulsos; tudo o que fazemos para gozar prazeres; tudo o que fazemos para concretizar sonhos, desejos e objetivos; tudo o que fazemos com o intuito principal de obter qualquer coisa, mesmo simples agradecimento ou elogio; isto tudo é egoísmo/amor-próprio/autoestima, que significa pensar somente no bem de si mesmo, sem preocupar-se com a possibilidade de que o seu bem venha a fazer mal para os outros. O egoísmo é a maior ameaça contra a Vida, é o verdadeiro e único "adversário": ele é insensível a Amor, Misericórdia e sinceridade/ajuda desinteressada; ele se disfarça de altruísmo e corre o mundo fazendo sua obra, a qual classificamos como boa, valendo-se dela para ganhar dinheiro, poder, fama e/ou honrarias. Enquanto o adversário for o senhor de nossas vidas, não há espaço para DEUS, em nossos corações ("Não podeis servir a dois senhores"). Não te enganes, aceitando precipitadamente a agradável opinião egocêntrica, que tens sobre ti mesmo(a), de que és altruísta e bondoso(a) e que mereces a Proteção Divina; antes, compara a tua vida, com a vida de algum dos poucos e verdadeiros representantes do Amor e da Bondade. Depois desta provação de autoconhecimento, talvez um sentimento realmente útil/precioso desperte em teu coração: o arrependimento...

Se consideramos dádivas divinas, as coisas que achamos ser boas, que muitas vezes rezamos para conseguir, então temos que admitir que Jesus nunca foi beneficiado com dádivas divinas, já que Ele nada tinha das coisas que achamos ser boas. Deste mundo, Sua única posse material era a humilde roupa do corpo, nada mais. Pelos padrões mundanos, Ele era um mendigo, um "joão-ninguém". Repito o que escrevi em textos anteriores: para evoluirmos como seres humanos, precisamos ir jogando no lixo nossas queridas "verdades", pois não passam de mentiras...

Quando manifestamos nossa gratidão egocêntrica, através da aparentemente inocente frase (ou pensamento) "graças a Deus", prejudicamos a nós mesmos e a todos que acreditam nela, pois contribuímos para aumentar a ignorância geral, que já é enorme; consequentemente, mais distantes do Criador ficamos nós, Suas criaturas. As dádivas mundanas exteriores (dinheiro, casas, carros, diplomas, status social, etc.) e as dádivas mundanas interiores (prazeres/paixões tais como: vaidade/orgulho, cobiça, gula, luxúria, "esperteza") nos parecem tão e tão preciosas, que somos capazes de matar e morrer por elas; portanto, como alertou Jesus, são abomináveis para DEUS, por mais que ainda nos seja impossível compreender/aceitar isto. No entanto, em Sua infinita Bondade, DEUS concedeu, a Seus filhos, livre-arbítrio para viverem como quiserem, inclusive para servirem a Seu adversário; mas, periodicamente nos avisa, através de homens como Jesus, que não poderemos escapar, no futuro, das consequências de nosso livre-arbítrio presente. No entanto, ensinam o Cristo e os demais Sábios: toda a liberdade que orgulhosamente imaginamos ter, para fazer o que quisermos, é uma ilusão. Esta ilusória liberdade atual é, na realidade, destino ("carma", escravidão) gerado pelo livre-arbítrio passado, pois, se o livre-arbítrio fosse autossuficiente/onipotente, todos seriam felizes no instante em que desejassem, e todos desejam ardentemente ser felizes para sempre, a partir de já; mas, quantos conseguem impor, ao destino, este desejo, este imaginário livre-arbítrio? Assim, fica explicada a escravidão, de cada ser humano, ao destino que foi criado por ele mesmo ("Vós sofreis porque quereis" - Buda).

Afirmou, também, o Cristo: "O Reino de Deus está dentro de vós". Esta Verdade Suprema é o melhor consolo, para os corações arrependidos. Apesar de todos os nossos erros; apesar de ainda amarmos o adversário (egoísmo/amor-próprio/autoestima), DEUS nunca nos abandonou e continua conosco, aguardando pacientemente que retornemos para Ele, como descreve a belíssima parábola do filho pródigo. Como, tanto DEUS quanto o Seu adversário, estão dentro de nós, trata-se então de uma luta interior: não precisamos, necessariamente, sair do lugar em que estamos neste exato momento, se sinceramente decidirmos iniciar a jornada de volta para "Casa".

 

Bendito o dia em que começarmos a acumular, não dádivas mundanas, mas sim Amor/Misericórdia/Compaixão por todos os seres sencientes (sem exceções ou condições), mansidão, humildade, desapego de prazeres/paixões/posses, autocontrole e outras virtudes. Bendito este dia, pois, finalmente, teremos começado a receber dádivas divinas; então, no silêncio de cada coração, poderemos comemorar e cantar: "graças a DEUS".

Merece comemoração interior, aquele dia abençoado, porque, as dádivas divinas, de graça recebemos, não provocam efeitos colaterais (sofrimentos) e jamais nos serão cobradas ou tiradas, nem mesmo pela morte física. Ao contrário, o destino (consequência do egoísmo) cobra juros e dividendos (materiais, emocionais) por todas as migalhas ("preciosidades") que o mundo digna-se nos emprestar. Isto mesmo: todas as dádivas mundanas que estão conosco, são emprestadas, não são nossas; apesar de pagarmos muito por elas, apesar de termos certidões disto e daquilo, escrituras, seguros, etc., cedo ou tarde o destino tirará de nós, sem aviso prévio, todas as posses/prazeres que o mundo fingiu nos dar, inclusive a vida material...

 

ATENÇÃO: como alertei em texto anterior, novamente alerto que não afirma-se, neste texto, que não há DEUS no mundo. De acordo com todos os Sábios, o que acontece é que DEUS permanece encoberto pelo "deus" de nossa imaginação (criação mental, egoísmo). Na prática, é como se DEUS realmente não existisse. Contudo, a reversão da situação (isto é: encontrar, dentro de nós, o "Reino de DEUS") é possível e depende exclusivamente de nossos perseverante e sincero (não egoísta) esforço interior.

 

 

 

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Senhor, que este e Teus demais filhos possam finalmente agradecer, sem medo de errar: "Graças a DEUS".

 

21/08/2012

 

 

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