EXPERIÊNCIA PESSOAL

 

 

Para quem ainda não encontrou o Mestre em carne e osso, que mostre, através da intimidade do convívio diário, como proceder diante das adversidades, e que corrija o nosso rumo, pode ser útil a experiência de outros buscadores.

Como é provável que não conheçamos quem está transmitindo a sua experiência, é normal certa desconfiança. No meu caso (acredito que semelhante a outros), como há a certeza interior de que a Verdade é transmitida pelos Sábios, considero as palavras Deles como referência absoluta e ponto de partida para a prática espiritual. Considerando este referencial e sua confirmação prática em mim mesmo (a Verdade está dentro de todos nós), acredito no buscador que vivencia experiências interiores semelhantes às minhas. A familiaridade e a identificação com a jornada do outro, então, aumenta a minha confiança em suas palavras. Entretanto, humildade e prudência devem estar sempre presentes: somos ignorantes e, diante de um impasse espiritual, volto-me para Aqueles que já atingiram a meta. E assim vamos, caminhando e tropeçando, mas sempre levantando e prosseguindo...

Mesmo percebendo que o outro buscador é sincero, talvez não nos identifiquemos com o caminho que ele segue, embora, no final das contas, todos os caminhos espirituais conduzam à mesma meta, afirmam Aqueles que já alcançaram-na. Pode acontecer que você não se entusiasme pelo que está lendo, pois cada um é atraído para o método que mais lhe convém: meditação/autoinvestigação ou oração/ação. Embora reconheça e já tenha sentido a força da oração sincera (sem egoísmo), ensinada por Jesus Cristo e Ramakrishna, o caminho que me atraiu foi o da autoinvestigação, de Ramana Maharshi.

 

Na infância, vez ou outra, quando estava sozinho, me acometia repentinamente algo como sensação de vazio, distanciamento; olhava para as coisas familiares, mas então tudo me parecia estranho, desconhecido... Me lembro que, em uma das crises, levantei os olhos para o alto, talvez esperando que respostas, para perguntas que ainda nem sabia formular, caíssem do céu... Apesar de me causar muita angústia, nunca falei sobre isto com ninguém e, tão repentinamente como começou, desapareceu antes da adolescência.

Décadas depois, sem motivo aparente, a mesma sensação voltou a manifestar-se (nesta época ainda era ateu convicto). Novamente, olhava o mundo como se ele me fosse um completo estranho; sentia que as coisas certas não podiam ser como insistiam em me convencer que eram. Não havia mais angústia, mas necessidade por respostas. Um belo dia, não sei explicar como, ocorreu-me a certeza interior de que o mundo não mudaria para adaptar-se a mim; eu, sim, teria que mudar para entendê-lo tal como é, sem, contudo, me deixar influenciar por ele (aliás, não mergulhar de cabeça no mundo eu já vinha fazendo desde aquelas crises da infância). Mais tarde, descobri, nos Evangelhos do Senhor Jesus, que Ele nos indica exatamente a atitude que ocorreu-me intuitivamente: devemos ESTAR no mundo, mas não devemos SER do mundo. Na ocasião, fiquei surpreso com a coincidência de percepções, distantes entre si milhares de anos e milhares de quilômetros. Hoje, as confirmações espirituais, através dos ensinamentos dos Sábios, não me surpreendem mais, pois sei que a Verdade é eterna e universal e reside em todos os seres humanos, aguardando pacientemente o momento certo, para começar a manifestar-Se, através da Intuição.

Gradativamente, começou a surgir a necessidade de prestar atenção ao que acontecia dentro de mim, porque senti que as respostas estavam lá. O problema é descobrir como iniciar o processo de auto-observação e não desistir dele, mesmo após os primeiros meses ou anos (!) de aparentes derrotas. Digo 'aparentes' porque, normalmente, o buscador tem pressa para obter resultados significativos, mas raramente isto ocorre. Contudo, se existe sinceridade, sempre há progresso espiritual, embora imperceptível para a própria pessoa. No meu caso, após muito (muito mesmo) experimentar, desistir, recomeçar, etc., descobri que a 'porta' para a interiorização é mais facilmente aberta pela observação do processo respiratório.

Faço assim: sento-me em posição de lótus (embora qualquer posição em que a coluna fique ereta, não seja contraindicada pelos Mestres), fecho os olhos e passo a observar o mecanismo da respiração, sem interferir em seu andamento. Mantenho a atenção no fluxo de ar, entrando e saindo pelas narinas, ou nos movimentos de expansão e contração do tórax. Nem sempre a porta se abre, porque posso não estar devidamente preparado naquele instante, para enfrentar as artimanhas da mente. Ela vai apresentar argumentos como: "Você tem um monte de problemas para resolver e está, aí, parado!". Discernimento e desapego são indispensáveis, neste momento, para que o mau conselho seja ignorado. Após a vitória inicial, a porta interior se abre. Em seguida, o inimigo (mente) tenta outro truque: pensamentos errantes e desnecessários surgem um após o outro e isto exige atenção firme, para que sejam percebidos assim que nasçam, sendo mantidos sob vigilância; então, após poucos segundos, eles desaparecem (lembre-se como o ladrão foge da cena do crime, ao perceber que foi descoberto). Em raras situações, a observação do pensamento não provoca a sua extinção, provavelmente porque tal experiência é necessária naquele momento, mas há uma forte sensação de distanciamento do processo mental. É como ser um espectador da própria mente... Outros obstáculos para o meditador:

1. Sono. Por falta de tempo em outros horários, acordo no meio da madrugada, para meditar, e, no início, o sono era um adversário terrível, até o dia em que comecei a usar a mesma técnica aplicada contra os pensamentos errantes: passei a observar a aproximação dele. Em mim, os sinais do sono são: principia um vácuo mental e a cabeça, repentinamente, parece pesar uma tonelada, não aguentando-se mais ereta. Estes sintomas indicam que, se eu não recuperar o controle imediatamente, no instante seguinte ocorrerá a perda da consciência e estarei dormindo. Aos poucos, consegui dominar a técnica e tornar instantânea a reação à entrada no sono. Novamente, repete-se o caso do ladrão (no caso, o sono), que foge da cena do crime, quando percebe que seus planos foram descobertos... Desde então, nunca mais o sono atrapalhou a meditação e, hoje em dia, não me preocupo com ele.

2. Luzes brilhantes piscando e criando formas variadas, na escuridão dos olhos fechados. Perdi muito tempo observando este fenômeno interior e nada extraordinário aconteceu. Apenas consegui avançar deste ponto, quando deixei de prestar atenção nas tais luzes. Talvez uma solução, para evitar esta distração, seja manter os olhos abertos e focalizados em algum ponto fixo (não posso confirmar se funciona, porque prefiro mantê-los fechados).

3. Excesso de movimentos. Não adianta nos preocuparmos em ficar imóvel, pois aí então é que não conseguiremos isto. Inicialmente, é difícil manter-se quieto: coceiras, dormências e outras distrações físicas atrapalham a concentração e, muitas vezes, a pessoa acha que não vai conseguir vencer estes obstáculos e desiste. Tente isto: quando aparecer coceira em alguma parte do corpo, ao invés de coçar o local, observe a sensação; perceba como ela vai aumentando de intensidade. Se você estiver totalmente concentrado na sensação (sem pensar se é boa ou ruim), não vai ouvir a mente ordenando: "coce, coce!". E, então, o milagre acontece: a coceira desaparece por si mesma e você terá vencido, talvez, a sua primeira batalha contra a mente. Todos os demais inimigos da imobilidade podem ser vencidos da mesma maneira, basta querer. Aos poucos, a quantidade de incômodos físicos vai diminuindo, até tornar-se facilmente controlável. Considere o movimento de engolir a saliva, que se acumula na boca, como normal e não se preocupe com isto.

Vencidas estas batalhas, aos poucos a mente subconsciente começa a desistir da luta e vai acalmando-se. O nível de calma mental depende da determinação do buscador. Quanto mais calmo, mais profunda e prolongada é a autoinvestigação. Não adianta pensar em ficar calmo, porque isto é um pensamento, que vai gerar outros. Sem se preocupar e sem distrair-se com nada involuntário à sua vontade, mantenha a atenção no que está acontecendo dentro de você, mas não se deixe influenciar por visões, pensamentos, sensações, sentimentos e desejos, que vem e vão. Perceba os sons que chegam, mas não se preocupe em identificar o que os produziu (isto é, não se distraia com os fenômenos do mundo exterior); observe, imparcialmente, como se processa o mecanismo da audição, etc. O importante é tentar manter-se como um observador impassível do mundo interior.

Nesta fase, quando a mente subconsciente está calma e sob controle, podemos aplicar a Vontade, sobre a consciência objetiva, para executar algumas experiências, que considero significativas. Deve-se ficar atento, no entanto, à Intuição, pois Ela é a nossa melhor guia. Se sentir alguma aversão aos exercícios propostos ou perceber que está perdendo o controle sobre a mente, o meditador não deveria prosseguir.

Entender como nascem os sentimentos, que tanto poder nefasto têm sobre nós, me parece ser a melhor solução para vencê-los, sem os consequentes traumas da repressão ("Não resistais ao mal" - O Cristo). Novamente, o fenômeno deve ser percebido no nascedouro, para que seja eliminado antes que cresça e fortaleça-se. Procedo como descrito a seguir.

Conscientemente e no controle da situação, busco na memória um acontecimento marcante da vida. Como é extremamente forte em todos nós o instinto sexual, uma lembrança desta natureza é quase invencível e, portanto, talvez seja prudente usá-la após o fortalecimento da prática, pois é sempre muito difícil a recuperação da autoconfiança, diante de uma derrota mental. De qualquer forma, o exemplo se refere a este instinto. Vamos lá. Permito que se desenrole diante da visão interior, um ato sexual do qual participei e fico atento às reações do corpo. O processo é sempre o mesmo: o sentimento de excitação começa no abdômen, provocando o conhecido 'frio na barriga', e desce quase instantaneamente para a virilha. Neste momento, antes que eu perca o controle da situação, interrompo a lembrança e observo a excitação sexual enfraquecer, até desaparecer. Importante frisar é que não há frustração, pela interrupção de uma sensação tão inebriante; ao contrário, a sensação é de alegria pela espetacular vitória e ocorre a certeza de que, pelo menos neste momento, eu sou o comandante desta vida e, não, uma pobre vítima da mente, dos sentimentos e dos prazeres do corpo (mesmo a alegria resultante deve ser mantida sob observação, para que a 'porta' da interiorização não se feche).

Lembranças que provoquem ódio, melancolia e outros sentimentos perniciosos, também utilizo. Interessante é notar que todos os sentimentos ditos 'inferiores' nascem na altura do umbigo e, quanto mais poderoso ele é, maior é o frio na barriga. Quando a lembrança provoca um sentimento mais elevado, o ponto de surgimento é na nuca, sendo irradiado rapidamente pela coluna cervical. Sejam sentimentos bons ou maus, o importante é conseguir percebê-los rapidamente e não perder o controle. Pelos exemplos de vida dos Sábios e pela Intuição, percebo que apenas quem deixa de ser escravo de sentimentos e sensações, pode alcançar a verdadeira Paz. Outra consequência positiva destes exercícios, é a convicção de que nunca mais serei enganado, quando leigos e doutores me aconselharem: "Relaxe e aproveite, entregue-se aos seus sentimentos" ou outros absurdos do tipo. Atenção: já comprovei, no dia a dia, que estes exercícios têm sido úteis para mim, mas não vou tentar convencer ninguém a executá-los. Como citei antes, a Intuição é nossa melhor guia. Nunca soube que alguém tenha conseguido escalar o Monte Everest, sem parar para descansar, mas nada impede que isto seja feito, se houver determinação suficiente. Da mesma forma, todas as experiências descritas aqui podem ser desnecessárias, se o buscador tiver discernimento, força de vontade e sinceridade suficientes para iniciar a autoinvestigação, descrita no texto "Quem sou eu?", e apenas interrompê-la quando realizar a Verdade sobre si mesmo (casos raríssimos, como o do Sábio Ramana Maharshi). Como a maioria de nós não consegue tal proeza, experimentos como estes podem nos ajudar a 'pegar um fôlego', durante a árdua escalada espiritual...

Também considero imprescindível, para melhorar o 'fôlego', o desenvolvimento da virtude disciplina. Acho que deveríamos aproveitar todas as situações do cotidiano, para exercitá-la, com o mesmo entusiasmo com que os amantes do corpo material exercitam-se nas academias. O problema é que, disciplinar-se, significa fazer coisas desagradáveis ao corpo físico e à mente. Estas duas entidades gostam de boa vida e não ficam satisfeitas quando são obrigadas a renunciar aos confortos e prazeres; então, o ego tentará convencê-lo de que 'você' (no caso, ele, o ego) merece gozar os prazeres da vida e viver com conforto e comodidades. Neste momento, o distanciamento do inimigo é necessário, para que o mau conselho seja percebido e ignorado. Conforto, comodidades e satisfação de prazeres, tornam o homem indolente e preguiçoso, sendo ele, então, vítima fácil para o ego. Não vou citar as técnicas disciplinares que aplico em mim mesmo, diariamente, porque acabaria parecendo arrogância, da minha parte. Assim como aconteceu comigo, o buscador sincero, intuitivamente, chegará às mesmas conclusões e descobrirá como proceder corretamente.

      

No estágio seguinte da meditação, após o 'controle' da mente subconsciente, a percepção dos sentidos (audição, tato, etc.) começa a tornar-se intermitente e temos, então, os primeiros vislumbres das tão sonhadas Paz e Felicidade, que todos buscam. Infelizmente, pelo menos no meu caso, o esforço ainda necessário para chegar a este ponto, é grande, e não consigo permanecer muito tempo na, como apelidei, "antessala do Reino de Deus"  (mesmo quando não executo os exercícios descritos acima). O que acontece, a partir desta 'antessala', não sei, mas temos os testemunhos dos verdadeiros Sábios, que nos garantem que não devemos temer o desconhecido, prosseguindo cada vez mais fundo. Tenho certeza do seguinte: como Eles provaram, é possível viver, permanentemente, no "Reino de Deus"...

 

Realmente, este caminho não é adequado para todos. Pode ser que você, ao se sentar sozinho e fechar os olhos, entre em pânico e sinta claustrofobia ou solidão extrema. Pode ser, também, que não consiga imaginar-se dissociado da mente e até tenha medo de pensar em tal possibilidade. Nestes casos, a pessoa deve esquecer a autoinvestigação e voltar-se para a oração sincera, que, segundo os Sábios, também nos eleva ao Reino de Deus. Agora fica evidente porque Eles insistem tanto que, para conseguirmos atingir a meta, é imprescindível percebermos interiormente a verdadeira dimensão da realidade do mundo (texto "Relatividade e Realidade"). Quem acredita que o mundo (estado de vigília) é real em si mesmo, dá um valor excessivo a todas as situações de sua vida. Então, no momento em que a mente tenta enganar a pessoa, incitando-a a abandonar a meditação ou a oração, para cuidar de seus problemas, ela acredita na urgência do alerta e interrompe a prática espiritual. Enquanto acreditar que a solução de seus problemas é prioridade na sua vida, a pessoa nunca conseguirá abrir a 'porta' da interiorização e, também, nunca conseguirá fazer uma oração sincera, porque a sua mente não consegue permanecer, nem por 30 segundos, desligada dos assuntos mundanos...

 

Pode parecer fácil, o caminho da oração, mas não é. Os Sábios Jesus e Ramakrishna nos ensinam a orar corretamente. A oração sincera comove até o mais duro dos corações e provoca lágrimas nos olhos de quem volta seu pensamento para DEUS (sei disto, por experiência própria). Realmente, são inspiradoras as orações sinceras e provocam as mesmas interiorização e calma mental, obtidas através da meditação. No fim das contas, o objetivo é viver em constante meditação ou oração, independentemente das atividades cotidianas...

A dificuldade é orar com sinceridade de propósitos. Exemplo de oração egoísta: "Oh, Senhor, Tu que és bom e poderoso, me ajuda. Estou com problemas e não tenho mais a quem apelar. Por favor, concedei-me a graça de conseguir...". O homem recorre ao Divino, para pedir coisas mundanas (dinheiro, saúde, etc.). Não é de admirar que, raramente, suas preces sejam atendidas. Atenção: quem agora contestar esta conclusão, afirmando que já teve muitos de seus pedidos, aqui classificados como 'mundanos', atendidos, alguns até milagrosos, a resposta dos Sábios é: os tais milagres teriam acontecido, mesmo sem as preces. Quando disse o Senhor Jesus: "Oreis e vos será concedido", não poderia o Grande Instrutor estar referindo-Se a pedidos egoístas, pois a Sua missão é, exatamente, libertar-nos do ego, o grande inimigo da Paz Interior...

Me lembro do caso de um cantor famoso, cuja esposa estava internada, com câncer. Ele mobilizou o país, convocando toda a população para rezar pela cura da doente. Seus fãs, pessoas simples e também cheias de problemas, foram comovidos pelo apelo egoísta e, esquecendo suas próprias mazelas, entraram na corrente de oração. De nada adiantou, pois a enferma faleceu pouco tempo depois. Então, o cantor afirmou que, após aquela 'injustiça', tinha deixado de acreditar em Deus...

Exemplo de oração sincera: "Senhor, que se cumpra sobre mim a Tua vontade". Diz o ditado antigo que, para um bom entendedor, meia palavra basta; portanto, paro por aqui...

 

 

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29/12/2006

 

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