PARÁBOLA DO APNEÍSTA

 

Ao aproximar-se do grande lago, o apneísta observa várias pessoas banhando-se nas partes rasas, perto da margem próxima.

Ele equipa-se com a parafernália básica do mergulho livre, entra na água e nada em direção ao centro do lago, onde a profundidade é grande.

Lá chegando, descansa alguns minutos, boiando deitado sobre a superfície, respirando profundamente, saturando de oxigênio os pulmões e o sangue. Neste momento, algo interno sabe o que está por vir (vamos chamar de "alma") e aciona o instinto de sobrevivência, para o alertar de que sua vida estará por um fio, se prosseguir.

Vencida esta bem conhecida fase preliminar, suavemente ele lança cabeça e tórax para baixo, ergue as nadadeiras acima da linha d'água e inicia o mergulho.

 

 

Os primeiros metros da descida exigem movimentos vigorosos das pernas, porque a flutuabilidade está puxando-o para cima, de volta à superfície. À medida em que a profundidade aumenta, a flutuabilidade diminui e, após alguns segundos, mais nenhum esforço é necessário: ele pode relaxar completamente, observar o corpo descendo e descendo... Nesta fase, enquanto a profundidade aumenta, a pressão sobre o corpo também aumenta e a "alma" imediatamente dispara os procedimentos internos que garantirão a integridade do veículo físico. Tudo é automático e bastante familiar para o apneísta, que se mantém calmo e continua descendo, corpo imóvel na vertical, cabeça para baixo e pés para cima.

A apneia prolongada provoca redução do ritmo cardíaco, que, por sua vez, reduz a agitação mental: assim, finalmente, o apneísta está em paz... Ele não pensa em problemas, medos, objetivos a alcançar, coisas a comprar... Está concentrado no mergulho, pois deve manter a atenção no "aqui e agora", para conseguir retornar com vida à superfície.

No fundo do lago, após um minuto ou mais em apneia, mente calma, coração em ritmo lento, ele já não está em paz: ele é Paz. Quisera que fosse sempre assim! O turbilhão do mundo está muito distante, lá em cima. A agitação na água, provocada pelas pessoas, não chega aqui em baixo, onde tudo é bendito Silêncio...

Esta experiência lhe dá a certeza de que o "Reino de Deus" (Nirvana) nada tem de sobrenatural ou distante: é, apenas, a mente conscientemente calma. Agora, ele sabe que todo o sofrimento é consequência do caldeirão mental, que só não está em ebulição quando é inconscientemente resfriado por sono (dormir sem sonhar), desmaio, coma e anestesia geral.

Infelizmente, aquela Paz tem que acabar, pois o apneísta deve voltar à superfície, para respirar.

O início da subida é difícil e, novamente, muito esforço das pernas é necessário, agora para vencer a inércia e a falta de flutuabilidade. A subida é a fase mais perigosa, pois então quase todo o oxigênio que havia nos pulmões e no sangue já foi consumido durante o mergulho: apesar de tudo parecer sob controle, o apneísta pode subitamente desmaiar e, seu corpo, afogar-se.

Assim que sua cabeça ergue-se acima d'água, ele inspira grande quantidade de oxigênio, o coração acelera novamente, o caldeirão mental é reaceso e estão de volta suas mazelas...

 

Quando o homem entra na busca espiritual e decide mergulhar em si mesmo, com o intuito de resfriar conscientemente o caldeirão mental, o início é dificílimo, devido à resistência do ego. Conhecer sua própria verdade é, segundo os sábios, a divina missão de todo ser humano, o caminho para a Paz; o ego, porém, não quer saber de Paz... por isto, o mergulho interior é muitíssimo mais difícil do que aquele outro, descrito acima. Quem, porém, sinceramente percebeu que "perder a vida, para encontrar a VIDA" (Mateus, 16.25) não significa suicídio/morte, mas sim o fim do sofrimento neste mundo, a ressurreição para a verdadeira VIDA, quem já sabe isto não se assusta com as dificuldades impostas pelo ego.

Vencida a primeira etapa da meditação, a mente começa a acalmar-se, o mundo e o "fulano de tal" que imaginamos ser (ego) vão se afastando e, consequentemente, a Paz vem se aproximando. Agora saberemos, por conta própria, que os Mensageiros do Altíssimo estão certos: onde há ego, não há DEUS; ego é "o adversário", desmascarado nos Evangelhos do Novo Testamento.

Até nos tornarmos sábios, que são aqueles definitivamente estabelecidos na Paz (Reino de Deus) aqui mesmo e agora mesmo, a força mental involuntária conhecida como "carma" (destino) nos obrigará a encerrar a meditação e reassumir nossa condição no mundo. Isto explica por que, muitas e muitas vezes, agimos de forma que sabemos ser errada, prejudicial para nós e para os outros: o carma, que não se importa com "bem" e "mal", está no comando de nossas vidas e continuará no comando, enquanto não trouxermos, de nosso mergulho interior, a consciência "Reino de Deus" aqui para este mundo que nos rodeia. Tal evento divino é a volta do apneísta pródigo, para sua verdadeira casa; a ressurreição do apneísta espiritualmente morto; a Paz que nada pode abalar.

 

P.S.: segundo o "Sábio de Arunáchala", Ramana Maharshi, sentar-se e fechar os olhos, para meditar, só é necessário para os principiantes no caminho espiritual. Os sábios estão sempre desfrutando a Paz do que chamamos de meditação, estejam parados ou não, estejam com olhos fechados ou não, estejam com corpos saudáveis ou não, etc...

 

 

30/11/2022

 

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