"QUEM ENCONTRAR A VIDA, PERDÊ-LA-Á; MAS, QUEM PERDER A VIDA, POR MIM, ENCONTRÁ-LA-Á"

 

 

Mais um aforismo do Senhor Jesus (Mateus, 16.25) para escandalizar o mundo. Alerto que apenas me arrisco a comentá-lo, porque descobri interiormente o sentido básico deste sublime ensinamento do Grande Instrutor. De qualquer forma, espero que ninguém tome esta interpretação como "verdade", mas, ao contrário, tente confirmá-la no Silêncio interior; aí, sim, será Verdade.

 

Esta frase contradiz tudo e todos, até mesmo o mais profundo instinto dos seres vivos: o instinto de sobrevivência. Até mesmo no nível de 'consciência' do reino vegetal, as plantas tentam preservar-se, tornando venenosas as suas folhas... Então, não é de estranhar que nos seres vivos, portadores de consciência mais elevada, este instinto esteja ainda mais enraizado. Contudo, vem um homem e diz exatamente o oposto: que não vale a pena preservar o que chamamos de 'vida' (egoísmo), em detrimento da verdadeira Vida (espiritual). Palavras do Cristo:

"Não temais a quem apenas pode vos matar o corpo; temais, sim, àqueles que matam a alma" (Mateus, 10.28 - referência aos dominadores romanos e aos guias espirituais, respectivamente).

"Deixai que os mortos enterrem seus mortos" (Mateus, 8.22 - resposta a um discípulo, que pediu licença para ir em casa, enterrar o pai recém-falecido).

Para o Mestre, a chamada 'vida' é, na verdade, morte e não deve ser preservada à qualquer custo. Meio-mortos sempre estivemos: para encerrar a nossa tragédia pessoal, só falta o atestado de óbito. São palavras extremamente duras de Jesus, mas hoje sei que são verdadeiras. Atenção, pois não estou fazendo apologia ao suicídio do corpo físico. Como foi provado por Aqueles que sabem, a renúncia ('morte') mais importante é a do ego; após isto, renunciar à existência carnal é apenas uma das opções do Sábio, para inspirar os homens.

 

"Quem encontrar a vida, perdê-la-á; mas, quem perder a vida, por mim, encontrá-la-á". A frase é contraditória apenas quando submetida à análise intelectual. Traduzindo a compreensão intuitiva, para a palavra escrita, acho que ficaria mais ou menos assim: "Quem se dispuser a pagar qualquer preço para preservar ('encontrar') a sua vida egocêntrica (mente/corpo), vai perder a Vida que realmente importa; mas, quem abrir mão daquela 'vida' ('perdê-la'), por amor incondicional à Verdade, encontrará a verdadeira Vida".

Como um verdadeiro Sábio sempre age de acordo com o que prega, independentemente das circunstâncias, o Grande Instrutor provou-o, renunciando ao ego e caminhando espontaneamente para a morte física. Se, diante de Pôncio Pilatos que Lhe disse: "Não sabes que tenho o poder de te libertar ou de te crucificar?" (João, 19.10), o Mestre tivesse caído de joelhos e implorado por Sua vida, esta teria sido a maior derrota na história da humanidade. Contudo, para surpresa do dominador e exemplo para nós, aconteceu exatamente o oposto, pois o aparente dominado declarou, tranquilamente: "Se tens poder sobre minha vida e minha morte, este poder te foi concedido do Alto". Nada mais falou, até o momento final, porque mais nada precisava ser dito: a lição foi apresentada e cabe a cada um compreendê-la. Mesmo agora, 2.000 anos depois, os duros olhos deste que escreve se enchem de lágrimas, diante de tanta mansidão e devoção.

O significado da renúncia do Cristo foi tão marcante e profundo, que, após a morte física do Mestre, quando os responsáveis por aquele crime hediondo imaginavam que Seus seguidores se dispersariam e que os ensinamentos cairiam no esquecimento, aconteceu que mais forte a Fé se aprofundou nos corações dos discípulos, contagiando até quem nunca tinha estado diante do Grande Instrutor. Como Ele alertou aos apóstolos, desde o início de Sua pregação,  a semente deve morrer, para a árvore nascer e dar muitos frutos. Um exemplo de bom fruto é Estevão, talvez o primeiro mártir do Cristianismo, que não se curvou diante do Sinédrio, pois aquilo significaria rejeitar os ensinamentos do Cristo Vivo; para ele não houve dúvida e a certeza interior deu-lhe forças para manter-se tranquilo, enquanto era apedrejado até a morte.

 

Observando-me atentamente, percebo que ainda não estou preparado para "perder a vida"; portanto, fica claro que não basta o entendimento intuitivo deste ensinamento: a certeza interior deve ser constantemente fortalecida, para subjugar as atuais tendências mentais, profundamente enraizadas. No entanto, se já me foi revelado em parte, é porque chegou a hora de esforçar-me para compreendê-lo e integrá-lo ao meu dia-a-dia, nunca 'tropeçando' nele. Contudo, não me parece certo, por exemplo, me atirar do 20º andar de um prédio, para provar que estou livre do apego pelo corpo e apto para reivindicar favores divinos. Isto seria uma atitude de comerciante, onde o mundo material seria oferecido em pagamento pelo mundo espiritual ("Não tentai ao Senhor, teu Deus"). Não, não é nada disto.

Só me resta rogar ao Altíssimo que ilumine e guie, esta alma, para o discernimento correto e aplicação da Verdade, em todos os dias de sua vida. Nada mais peço.

 

 

Por mim, nada posso; mas, por Ti, EU POSSO.

 

Natal de 2006