QUEM SOU EU?

 

 

Serei eu fulano de tal, como afirmam diversas certidões e documentos? Se o nome, CPF, nacionalidade, etc. fossem outros, eu seria diferente do que sou agora? Ninguém nasce com um nome ou um número impresso na pele: eles são apenas convenções sociais. Não, não sou nada disto. Entretanto, para não tornar dramática uma situação corriqueira, quando alguém pergunta quem sou, respondo que sou fulano, filho de beltrano e cicrana, identidade tal, brasileiro, etc. Felizmente, enquanto falo, a Voz Interior sussurra docemente: "Filho, nem por um segundo te deixes iludir por tais mentiras". Certo é que mentir não é bom; contudo, neste caso, quem responde ainda não conhece a Verdade sobre si mesmo e, quem pergunta, está esperando por uma resposta convencional...

 

Serei eu este corpo material, gerado por pai e mãe, com o qual a consciência, que está digitando este texto, se identifica? Se perdesse um braço, uma perna ou um rim, eu não seria mais eu mesmo? Quando estou dormindo, este corpo não existe para 'mim'; então, neste estado, deixo de ser eu mesmo? Não, não sou este templo de carne e, portanto, conceitos como "parentesco", "aniversário", "nacionalidade" e outras vinculações carnais deixam de ser relevantes.

 

Serei eu o conjunto de emoções e sentimentos que, interagindo entre si, me lançam de um lado para outro, a mercê de seus caprichos? Quando estou dormindo (sem sonhos), eles não existem. Em silêncio meditativo, observo-os, sem me deixar envolver, e percebo que eles vêm e vão. Quando me desligo destas sensações, deixo de ser eu mesmo? Não, também não sou nada disto.

 

Serei eu os cinco sentidos que acorrentam esta consciência ao mundo? Quando estou dormindo e, portanto, desligado dos sentidos e do mundo, deixo de ser eu mesmo? Se ficasse cego ou surdo, deixaria de ser eu mesmo? A resposta ainda é a mesma: não sou nada disto.

 

Serei eu este caldeirão mental, com seus pensamentos e tendências latentes? Em atenção silenciosa, consigo perceber a frenética atividade da mente subconsciente. Ao direcionar a consciência objetiva, pela força da Vontade, para a observação dos pensamentos errantes/involuntários, percebo que, quase imediatamente, eles desaparecem, tal qual o ladrão, que foge da cena do crime, ao perceber que foi descoberto. Naquele momento, o buscador tem os primeiros vislumbres da Paz que todos procuram e percebe que a intensidade desta Paz é inversamente proporcional à atividade mental: quanto maior esta, menor aquela. Podemos, então, confirmar a veracidade nos ensinamentos dos Sábios, que afirmam ser a mente o único inimigo do homem, tendo ela apenas recebido designações diferentes: adversário, satanás, personalidade, ego, eu inferior, etc. O nome não importa, o inimigo é o mesmo e está dentro de nós. Não, também não sou a mente subconsciente, pois ela desaparece temporariamente, mas eu continuo sempre aqui.

 

Serei eu a consciência objetiva/voluntária, que observa a atividade mental subconsciente/involuntária? Analisando esta consciência, percebo que ela também desaparece quando estou dormindo. O fato de haver, dentro de mim, uma percepção de presença ou ausência desta consciência objetiva, indica que, obrigatoriamente, há um observador, também dentro de mim, para ela.  Então, fica no ar a grande pergunta, que é, provavelmente, a definitiva: "QUEM É A TESTEMUNHA QUE OBSERVA ESTA CONSCIÊNCIA?". Neste momento, não posso respondê-la com autoridade, pois conheço apenas a resposta intelectual, sem a indispensável confirmação prática.

Segundo o Sábio de Arunáchala, para conseguirmos responder à pergunta acima, que é a mais importante da vida ("Quem sou eu?"), devemos estar livres de toda a atividade mental. Quando (e apenas quando) isto se der, a Consciência Superior ("EU"), a Testemunha, nossa identidade absoluta e eterna, que sempre esteve e sempre estará dentro de nós, embora oculta no "Coração" (não o órgão físico), ocupa o vácuo deixado pela mente e, então, nos guia para a meta, onde imperam as tão sonhadas Paz e Felicidade eternas, onde os problemas do mundo deixam de nos afligir.

É importante frisar que a mente não é 'destruída' ou 'morta' (termos usados, algumas vezes, para não tornar muito complexa uma resposta); ela apenas perde o status anterior, de comandante das nossas vidas. Garantem os Sábios que, então, terá o buscador conseguido voltar para a sua verdadeira casa, como nos conta e encanta o Senhor Jesus, na belíssima parábola do filho pródigo. Acredito que tal estado seja possível, devido à experiência pessoal deste digitador. É claro que, pelo menos no meu caso, em consequência do esforço para manter a atenção sobre a mente, o tempo de introspecção ainda é pequeno. Prática constante, discernimento, determinação e fé são necessários para irmos, aos poucos, reeducando a (até agora) grande inimiga, e aumentando os períodos de paz interior, sem esforço.

O homem, quando desligado de sua mente, não torna-se um vegetal. Diz o Mestre Ramana: "O ato de pensar só traz problemas para o homem; nunca, soluções". Experimentei este estado muito rapidamente, porque me assustei e perdi o controle da situação, sendo lançado de volta a este mundo de ilusões, mas confirmo que, durante o processo, permaneci consciente de mim mesmo e que algo inusitado acontecia interiormente. Mesmo tendo sido um pouco estranho, pelo menos na primeira vez, depois intuitivamente me ocorreu que aquele "Algo" não deve ser temido, porque manifesta-se para o nosso bem.  Como tudo o que acontece é certo e justo, provavelmente ainda não era a hora da libertação desta alma...

A mensagem de esperança dos Sábios é clara: o Reino de Deus é de todos, basta buscá-lo com sinceridade de propósitos e determinação inabalável. Quem sou eu? Não sei, mas espero um dia descobrir (e que também O descubram todos os buscadores sinceros). Amém.

 

Se você não considerou absurdo o que leu aqui, mas, ao contrário, as palavras acima despertaram algo dentro de você, talvez o Mestre que esteja buscando seja o Sábio e Santo, Bhagavan Sri Ramana Maharshi, inspirador deste roteiro de autoinvestigação, cuja validade o digitador vem confirmando diariamente.

O método direto, ensinado pelo Sábio de Arunáchala, durante o século XX, é uma grande contribuição para a evolução da humanidade, cada vez mais apressada e menos disposta a perder tempo com longos períodos de estudo e preparação. No caminho direto deste grande Mestre, são desnecessários quaisquer conhecimentos teóricos sobre Ioga, filosofias, religiões, etc.; na verdade, quanto menos conhecimento intelectual, melhor. É indispensável, apenas, a indestrutível decisão de encontrar a Verdade sobre si mesmo, dentro de si mesmo.

Quando alguém se dirigia a este Sábio e dizia, por exemplo: "Bhagavan, hoje estou muito triste", normalmente recebia a Sua resposta padrão: "Quem está triste? Descubra isto e, então, a tristeza e os demais sofrimentos desaparecerão". Descobrir a Verdade de si mesmo é identificar, interiormente, a fonte de onde se origina aquela consciência que está triste, etc. Outras questões que ocorriam, recebiam, como respostas, perguntas semelhantes: "Quem dormiu?", "Quem diz não ser capaz de conseguir isto?", etc. "Quem" é o ponto-chave da questão; se a fonte do "quem" for descoberta, a presente questão e todas as outras serão transcendidas e nunca mais incomodarão a pessoa.

O que significa dizer "Hoje eu estou muito triste"? Quem é o "eu" que está triste? Quando a pessoa dorme, sente tristeza? A tristeza só aparece quando ela acorda. Coincidentemente, quando está dormindo, o ego/mente está ausente e, ao despertar, ele retorna. Então, a sensação de tristeza ocorre apenas quando o ego (consciência objetiva ou 'eu') está presente, no comando de nossas vidas. Se ele for colocado em seu devido lugar, a tristeza e todos os outros sofrimentos deixarão de nos incomodar ("Não resistais ao mal" - o Cristo). A instrução do Mestre Ramana, para conseguir-se transcender o ego, é simples: siga, intuitivamente, a pista daquela consciência que diz "Eu fiz isto" ou "Eu estou triste", aprofundando-se cada vez mais no interior de si mesmo. O corpo material age, mas não é ele quem diz "Eu fiz isto", é o ego/mente (se o corpo tivesse consciência própria, corpo algum permitiria o seu sepultamento, pois sairia correndo, quando tentassem colocá-lo no caixão). Como o Sábio nos esclarece, claramente, quem é o "eu" que considera-se o agente, devemos seguir o seu rastro até a fonte de onde ele aflora, para vivenciarmos a sua verdadeira natureza ("EU").

Independentemente de conhecimentos teóricos sobre quaisquer assuntos, se a prática da investigação interior da fonte do "eu" (ego/mente) for sincera e persistente, chegará o supremo momento em que o buscador deixará para trás a atividade mental (o mundo e todos os seus apegos) e será atraído, irresistível e infalivelmente, para a Verdade de si mesmo (Reino de Deus). Assim nos garante o Sábio de Arunáchala, com a autoridade de quem, seguindo este caminho, alcançou a meta da vida.

 

 

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Natal de 2006.