O  SHOW  DA  VIDA

 

 

Além da observação interior, costumo observar o mundo à minha volta, sempre tentando (e ainda pouco conseguindo) não emitir julgamento mental sobre as percepções que me chegam. A observação imparcial é tarefa dificílima, ainda mais quando tenta-se voltá-la para os homens, pois, por insegurança, inconscientemente tendemos a prestar atenção apenas nos defeitos dos outros. Tal atitude egocêntrica automaticamente eleva, o observador, a um patamar superior aos demais seres humanos e é conhecida/venerada como "autoestima" ou "amor-próprio". Este maléfico sentimento, que os "especialistas" nos dizem para cultivarmos, é como aquele caso do homem que, para parecer mais alto, corta as cabeças dos outros. Apesar do prazer que a sensação de "eu sou o melhor" provoca em nós, deveríamos abandoná-la imediatamente, pois, nos advertem todos os Sábios, quem se considera o primeiro no mundo, será o último a entrar no Reino de Deus ("Os primeiros serão os últimos e os últimos serão os primeiros"  -  o Cristo). Para os buscadores que já desconfiam de seus sentimentos e dos conselheiros profissionais, sugiro, sem receio de prejudicá-los, a leitura reflexiva do livro "Imitação de Cristo" (na verdade, leituras periódicas, pois é provável que, devido à resistência do 'adversário', as valiosas instruções do autor demorem a vencer as barreiras mentais, que existem em seu caminho para o coração).

Através da observação 'exterior', 2 lições aprendi, recentemente.

 

A primeira lição foi ministrada por um pecuarista brasileiro, entrevistado em algum programa de TV por assinatura. Segundo ele, o país produz a melhor carne bovina do mundo e era perceptível o orgulho com que ele divulgava esta informação. Em suas palavras finais, ficou implícito que considera-se um benfeitor, pois (ainda segundo ele), o ser humano necessita de proteína animal em sua alimentação, sendo que, consequentemente, os pecuaristas estariam contribuindo para a saúde da população mundial.

Não vou emitir opinião sobre a posição do empresário, mas apenas transmitir o que comprovei em mim mesmo. Há alguns anos parei de comer carne de qualquer cor e garanto que ela não é indispensável para mim, que sou um ser humano como os demais. Apesar do envelhecimento do veículo físico, tenho mais saúde hoje, do que há 20 anos (quando 'eu' era um super-atleta e fazia super-alimentação), e a saúde atual foi alcançada sem auxílio de 'verdades' nutricionais, medicinais e (para)psicológicas (dietas disto e daquilo, complementos alimentares, vitaminas, personal trainers, médicos, remédios, psicanalistas, pensamento positivo, poderes ocultos e as demais escravidões que a mente humana é capaz de inventar). Uma observação, agora: como o ego não perde oportunidades para exaltar-se a si mesmo, costumo recordar-me de que tudo o que nasce, está destinado a definhar e morrer, independentemente do estilo de vida; isto minimiza o orgulho e a megalomania, que eventualmente me acometem (como neste instante), ao tolerar, momentaneamente, o agradável pensamento de que teria conseguido descobrir o segredo da saúde perfeita e eterna...

Voltando à lição nº1... Como a observação da atuação do ego, em nós mesmos, nem sempre é perceptível, mesmo para aqueles que tentam praticá-la frequentemente, costumo observá-lo em ação nas demais criaturas, para poder perceber 'meus' próprios erros. Então, não foi total desperdício de tempo prestar atenção naquela entrevista, cujo conteúdo/conhecimento intelectual considero dispensáveis. Importante, sim, é conhecer os caminhos (ou melhor: os descaminhos) do ego, para podermos enfrentá-lo em nós mesmos. Por exemplo, considerando o contexto: quando dizem que o homem precisa alimentar-se a cada tantas horas, quem diz isto é o ego, provavelmente de um fabricante de alimentos ou de alguém que vive para comer e, não, que come para viver. Cada um pode (e deveria) determinar a quantidade e a qualidade de seu alimento, sem preocupar-se com o que recomendam os especialistas, pois somos os melhores especialistas para nós mesmos, em quaisquer situações da vida. Outra pérola mal-intencionada: "o homem precisa dormir, no mínimo, 8 horas por dia". Todas as opiniões, teorias e verdades do mundo, são formuladas para favorecimento de seus criadores e, não, para o geral. Portanto, não me surpreendeu o fato do pecuarista afirmar que a carne é indispensável em nossa alimentação, pois ele é diretamente favorecido por esta crença. É sabido que todas as mentiras nas quais desejamos acreditar, se tornam verdades e esta verdade do pecuarista, sobrepõe-se à Verdade Absoluta, e provoca dois benefícios para ele próprio:

- É evitado o sentimento de culpa, que poderia ser terrível, pois terrível é o crime: vê-se o novilho nascer, cuida-se para que ele cresça saudável e o animal passa a confiar em seu tratador. Contudo, chega o dia em que aquele bom homem o chama, como sempre, e ele docilmente o segue; mas, ao invés de lhe dar a costumeira ração, o homem simplesmente o abate, impiedosamente. E este crime ele já cometeu milhares de vezes. A consciência não pesa, porque o fim (alimentação saudável para todos) justifica os meios (morte de criaturas inocentes e indefesas). À noite, este mesmo homem provavelmente se ajoelha à beira da cama e pede misericórdia a Deus, para ele e sua família.

- Conseguindo convencer, cada vez mais gente, de que a carne é indispensável para a manutenção da saúde humana, ele garante a prosperidade de seu negócio.

 

    Atenção devemos ter, para não sermos vítimas das artimanhas mentais (próprias ou dos outros). Antes de aceitarmos e difundirmos verdades mundanas (no caso do leitor, inclusive aquelas expostas aqui), devemos aguardar confirmação interior (intuitiva, não mental) e, considerando a experiência do digitador, raríssimas são confirmadas como sinceras.

    Já admiti, em texto anterior, que o meu lazer de fins de semana, durante quase 15 anos, foi a prática da caça/pesca submarina; portanto, matava seres vivos inocentes por interesse pessoal (neste caso, pelo absurdo prazer de provar que era mais esperto e mais forte do que os peixes). Por isto, não tenho autoridade para condenar o pecuarista: estou apenas ilustrando como o adversário opera em nós. Através da saudade do querido hábito, que a Consciência me obrigou a abandonar, já estou pagando, o mais resignadamente possível, pelo erro/fraqueza de ter participado daquela crueldade contra a Vida. É o carma, em ação...

 

A segunda lição foi ministrada pela gatinha da qual cuido há, aproximadamente, 13 anos. Gosto de observar os animais, pois acredito que, devido à sofisticação racional do ser humano, desapareceram em nós muitas das virtudes singelas das criaturas chamadas de "irracionais".

A pequena felina, já idosa para os padrões dos gatos (ela tem 15 ou 16 anos), ficou cega, de um dia para o outro. Ela sempre foi saudável e, até então, brincava de correr, pular e escalar as coisas. Nos dois primeiros dias da cegueira, ficou andando de um lado para outro, esbarrando/tropeçando em tudo e miando sem parar. Confesso que chorei bastante, diante daquela cena dramática, mas soava dentro de mim um alerta, vindo não sei de onde: "Filho, que seja como Ele quer". Entre lágrimas, silenciosamente me ouvia orar, através da Voz Interior: "Senhor, que se cumpra a Tua vontade". Apesar do pranto, este doce consolo interno minimizou bastante a angústia pela qual passei. Estranha e inusitada foi a simultânea sensação ocorrida, de que era errado tolerar aquela angústia e enxergar injustiça divina contra o animal. Este sentimento, de aparente bondade e interesse pela sorte do mundo, é infrutífero e uma grande fonte de sofrimento em nossas vidas, pois, tudo o que acontece, destina-se sempre à evolução dos seres vivos. Então, as desventuras que ocorrem à nossa volta e a nós mesmos, não são injustiças do Altíssimo e, portanto, não deveríamos sofrer por causa disto.

Após os dois primeiros dias da cegueira, a situação mudou completamente. A gatinha percebeu que não adiantava ficar lamentando-se e tratou de adaptar-se, corajosamente, à nova situação. Contrariando o hábito humano, ela não buscou explicações para o ocorrido e nem correu atrás de socorro: simplesmente aceitou o fato e rejeitou qualquer tipo de ajuda, para subir/descer escadas e para deslocar-se pelas dependências da casa. Enquanto pensava como faria para ajudá-la a chegar ao jardim, onde come a grama habitual, ela já tinha ido lá sozinha e voltado, sã e salva. Por surpresas e mais surpresas tenho passado, acompanhando o caso, e percebo grandeza e prudência em sua atitude, por não colocar as suas esperanças no homem (no caso, o digitador) e no mundo. Imaginando-me na mesma situação, não tenho certeza de que seria forte o suficiente para agir como ela. Acredito que o procedimento da felina e dos animais em geral, radicalmente oposto ao da maioria dos homens, deve-se, em parte, à inexistência, no animal, dos sentimentos vinculados ao conceito temporal "futuro" (sonhos, desejos, ambições e esperanças), ausência esta que minimiza bastante os sofrimentos causados pelos reveses da vida.

 

Para este digitador, os 2 episódios do Show da Vida, aqui relatados, apresentam lições, no mínimo, irônicas: no primeiro, um ser racional e "superior", poderia ter me prejudicado, se eu acreditasse em suas verdades; no segundo, um ser irracional e "inferior", ensinou-me como devemos enfrentar as calamidades da Existência...

 

 

Senhor, que seja como Tu queres e, não, como eu quero. 

 

09/02/2009