TUDO EM VÃO...

 

Lembro que, uma vez, na infância, parei repentinamente, levantei os olhos, observei o céu, depois olhei em volta e perguntei a mim mesmo: "O que é isto tudo? Por que estou aqui?". Logo, porém, retornei aos brinquedos e, hoje, mais de meio século após aquela rápida experiência espiritual, continuo brincando, só que, agora, de "profissional bem-sucedido" e de "atleta máster"...

Fiz muito de deplorável/humilhante com o intuito de sempre sair ganhando, em todas as situações da vida, e agora me questiono: valeu a pena? Mendiguei por paixões, por consolos, por segurança, por saúde. Me fiz servo do dinheiro, da luxúria, da mentira, do ódio. Não, não valeu a pena: foi tudo em vão, porque não encontrei a tão desejada Paz...

 

O Sol desponta no horizonte, executa sua monótona marcha sob o céu e, no final do dia, parece encaminhar-se para seu ocaso e merecido descanso; mas, na verdade, o turbilhão da vida lhe impõe jornada equivalente do outro lado do mundo e, assim, sucessivamente: nunca termina sua labuta.

O rio deságua no mar e, aliviado, crê que sua missão acabou; o turbilhão da vida, porém, não o deixa descansar: as águas em sua nascente continuam jorrando da terra e seu trabalho nunca chega ao fim.

O homem deseja e, cedo ou tarde, obtém o desejado; necessita e, cedo ou tarde, também obtém o necessário... Infelizmente, tais vitórias mundanas nada valem, pois o turbilhão da vida ("ego") não para de injetar novos desejos/sonhos e necessidades/medos, em seu coração, e o homem continua correndo desesperadamente, de um lado para outro: jamais vê-se em Paz.

Os olhos veem e, quanto mais veem, mais querem ver, não permitem descanso à alma. Haverá algo realmente novo, sob o céu, para merecer atenção ou ser digno de admiração? Tudo não passa de combinações dos cinco elementos da natureza, apenas com formas diferentes: assim sendo, quem viu uma coisa, já viu todas, do passado, do presente e do futuro. Tanto encanto infantil pelas formas materiais! Tanta curiosidade pelo mundo dos sentidos físicos! Quanto de paixão, desejos e necessidades investimos nas ninharias da vida! Quanto de atenção e energia desperdiçamos nas aparências sob o céu, quando Aquilo que unicamente importa não tem forma, não pode ser visto pelos olhos, está acima do céu...

 

Quanto esforço apliquei em conhecimento/cultura, que há sob o céu! No entanto, quanto mais saber mundano, mais necessidade de mais saber e isto não tem fim: a alma nunca descansa. Todas as ciências, todas as filosofias, todas as artes que a humanidade amontoou em seus livros, tudo isto não passa de ignorância sofisticada, pois não trouxeram a Paz e a Felicidade, para baixo do céu. Na verdade, intelectualidade, parafernálias tecnológicas, modernidades, comodidades e modismos deixam o ser humano cada vez mais fraco, preguiçoso, dependente, estressado e infeliz. Vaidade, apenas vaidade...

Muito me entreguei aos prazeres, sob o céu! Contudo, o que deles ainda tenho? Apenas lembranças distantes e marcas ainda presentes dos sofrimentos consequentes, porque prazer e dor são inseparáveis, e as dores são sempre maiores e mais longas do que os prazeres que as originaram. Corri de cá para lá e vice-versa, pagando com suor e sangue o preço do que me diziam ser felicidade; mas, tudo em vão: por migalhas de alegrias passageiras, paguei montanhas de sofrimentos.

Quanto da VIDA desperdicei, tentando vencer na vida! Todavia, após décadas me esforçando para realizar este sonho, finalmente percebi que ricos, doutores, socialites, famosos e poderosos não são vencedores; ao contrário, são perdedores na vida como qualquer "joão-ninguém", pois também não encontram Paz. Tudo em vão...

 

O Sol pergunta: "Poderei, um dia, livrar-me desta sina?". O rio lamenta-se: "Meu trabalho não tem fim!". O homem implora: "Senhor, por favor, dá-me Paz!".

Haverá, sob o céu, algum lugar onde a Paz (DEUS) possa manifestar-se, com toda a sua glória? Não, porque o espaço sob o céu está entulhado de egoísmo e não existe um cantinho livre, sequer. É o ego que, orgulhosamente, afirma: "Sou o Sol", "Sou o rio", "Sou João de tal", "Sou Maria de tal". O ego cria formas, nomes e individualidades, os quais encobrem a Unidade Universal (Espírito). É o ego, o "adversário da Verdade e da Vida", que mantém as criaturas distantes/separadas de seu Criador. A vã labuta e a escravidão diárias são impostas pelo ego. Entretanto, há esperança de Liberdade/Paz para todos, assim ensina a Sabedoria Sagrada: basta que elevemos a consciência acima do céu/ego, não mais nos identificando com as formas/individualidades sujeitas a seus respectivos destinos. Então, aquele que pensava ser um corpo carnal, saberá ser Tudo, e não mais se preocupará com o destino da mesquinha forma material chamada "fulano(a) de tal". Igualmente, aqueles que pensavam ser Sol e rio, saberão ser Tudo, e não mais estarão ligados aos destinos das formas com as quais erroneamente se identificavam.

Este é o fim do "tudo em vão", a ressurreição dos mortos-vivos: as formas nomeadas "Sol", "rio" e "fulano(a) de tal" continuam escravizadas a seus destinos; mas, isto é irrelevante, pois formas não têm consciência própria, são insensíveis em si mesmas, não sofrem. A Consciência Superior que habita na forma, porém, agora voa livremente muito acima do céu, lá no "Reino de Deus", que nada mais é do que Paz e Felicidade inabaláveis, aqui e agora.

 

 

Senhor: lembra-me, todo santo dia, que não sou uma forma, uma entidade corpo/mente (ego), mas sim que estou temporariamente nesta forma corporal, e que, na verdade, sou Consciência/Espírito, para que, quando a forma estiver em seus últimos suspiros, a alma esteja em Paz, sem o desgosto de que foi tudo em vão. Amém.

 

 

23/01/2019

 

http://quemsoueu00.blogspot.com/