UM

 

 

A primeira percepção espiritual que ocorreu na vida do, até então, materialista que vos escreve, foi de que eu não sou aquilo que imagino ser (como já foi relatado anteriormente). Depois, uma outra manifestou-se: a de que toda a existência está interligada por alguma força superior. Hoje sei que estas sensações manifestam-se em todos os buscadores, em maior ou menor grau, dependendo da personalidade de cada um. Para a segunda sensação (unidade/unicidade, aqui chamada de "UM"), há uma comparação clássica, para tentar explicá-la com palavras: assim como o fio mantém unidas as pérolas de um colar, o 'fio' do Criador penetra em toda a criação, mantendo-a unificada e sincronizada.

Devido à experiência pessoal descrita no texto "Altos e baixos", foi concedida, a este divulgador, certa autoridade para dissertar sobre o UM, mas não vou usá-la para me autopromover e, sim, para tentar transmitir, com mais fidelidade, a mensagem dos Sábios. Relembrando o ocorrido e usando a comparação com uma árvore: "A sensação do UM é como perceber que somos folhas de uma árvore. As folhas dependem da árvore para viver e a árvore cuida carinhosamente das folhas, mas não tem preferência por alguma: ama a todas, igualmente. As folhas deveriam ter humildade para perceber que, apesar de sua contribuição para a vida da árvore, elas não são indispensáveis; no justo dia de cada folha, ela morre e cai, retornando ao solo, mas a árvore continua existindo e nova folha substitui a anterior". Unicidade, ao contrário do que pode parecer, é o oposto de egoísmo. Este último nos leva a crer que 'eu' sou o centro do universo, que 'eu' sou o melhor, o mais bondoso, o mais inteligente e o mais bonito; que muitas pessoas dependem de 'mim' e que, se algum dia 'eu' morrer, família e amigos muito chorarão por 'mim'; o mundo nunca mais será o mesmo e, talvez, nem mesmo continue existindo... Na verdade, o universo continuará como sempre foi; o cônjuge vai casar-se novamente, os amigos vão arranjar outro amigo, etc. Então, o mais sensato é aceitarmos isto agora e já: somos apenas folhas, partes da árvore; não, a sua razão de existir...

As pessoas oram, pedindo ao Altíssimo coisas mundanas, mas não percebem que, para que os seus pedidos sejam atendidos, os pedidos de outros têm que ser negados, pois são conflitantes. Isto não é UM, é cada um exclusivamente por si (a lei da selva civilizada). Exemplo bem evidente: você reza para ganhar sozinho(a) na loteria, mas milhares de apostadores também fazem o mesmo. Então, a quem o Senhor deve atender? Claro que a 'mim', pois 'eu' mereço mais que os outros e, além disto, 'eu' estou precisando muito... (poucos responderiam de outra forma). Aí está o motivo de tanta desencanto com "Deus": "Por que Ele não me ajuda, se sou uma pessoa boa e rezo toda noite, antes de dormir?". Resposta: provavelmente, porque todas as orações são egoístas, embora talvez não tão evidentes quanto aquela da loteria. Dizem os Sábios que DEUS não pensa como nós e cuida da criação como um Todo, amando todas as criaturas, mas sempre agindo da forma que seja a mais conveniente para o Todo (árvore) e, não, para uma pequenina parte (folha). A sensação do UM transmite tranquilidade para aceitar esta Verdade, sem queixas e ressentimento. Assim entendemos atitudes de homens como Bhagavan Ramakrishna e Bhagavan Ramana Maharshi, que foram puros por toda vida e sempre fizeram o bem, sem buscar vantagens, mas que sofreram tanto (segundo os parâmetros do mundo) em Seus últimos anos, ambos vitimados por câncer; nenhum dos dois levantou os olhos para o céu e reclamou: "Senhor, por que me fazes sofrer tanto, eu que sou tão bom?". Eles sabiam que, para a Existência como um todo, Seu sofrimento era necessário e aceitaram-no.

O clímax da 'injustiça' divina foi a morte material do bendito Senhor Jesus. A certeza dos terríveis sofrimentos (do ponto de vista egocêntrico) que aproximavam-se era tão angustiante que, por um instante, Ele fraquejou: "Senhor, se possível, afasta de mim este cálice"; contudo, rapidamente recuperou o autocontrole e corrigiu-Se: "Todavia, que seja como Tu queres e, não, como eu quero" (Mateus, 26.39). E, pouco depois, vimos o Cordeiro de Deus entregar-Se mansamente às garras dos lobos, que fizeram o que bem quiseram com Ele, que a tudo aceitou e, pouco antes do fim, ainda orou: "Pai, perdoa-lhes, pois não sabem o que fazem" (Lucas, 23.34). Repito o que já disse antes: para mim, este foi o maior e mais espetacular milagre da história passada/presente/futura e seus benefícios não são propriedade exclusiva de qualquer religião; seria mais fácil conter uma explosão atômica, dentro de uma caixa de sapato, do que impedir que os efeitos deste perdão crístico se espalhassem por todo o mundo. Se enxergarmos injustiça neste sublime drama, terá sido inútil a maior de todas as renúncias, a maior prova de Amor incondicional pela humanidade e a maior prova de confiança e submissão aos desígnios do Altíssimo. Devemos entender que não houve injustiça alguma contra o Grande Instrutor; apenas assim poderemos começar a perceber que também não há injustiças contra nós: tudo o que ocorre tem por finalidade cumprir a Justiça do Todo, do UM. Jesus, Ramakrishna e Ramana, com Seus exemplos, nos estão ensinando exatamente isto. Até mesmo a renúncia ao que chamamos 'vida', se for necessária para o bem do UM, deveríamos aceitar sem vacilações ("Quem encontrar a vida, perdê-la-á; mas, quem perder a vida, por mim, encontrá-la-á" - O Cristo). Tenho consciência que é muitíssimo mais fácil falar, do que agir assim, mas esta Verdade deve ser dita e, neste momento, Ela acabou de aprofundar-Se um pouquinho mais, nos Corações do leitor e do digitador...

Quando o Senhor Jesus disse "Eu e o Pai somos UM" (João, 10.30), causou escândalo entre os judeus, porque o pronome 'eu' foi erroneamente interpretado. O Grande Instrutor venceu o ego e, portanto, quando Ele diz 'eu', 'meu' e 'mim', não refere-se ao homem Jesus, mas ao Cristo imaterial, que existe (adormecido ou não) em todos nós. Este erro básico, de confundir Jesus (ego ou 'filho de mulher') com Cristo (não-ego ou 'Filho do Homem'), impede que percebamos a sublimidade dos Evangelhos do Novo Testamento. A expressão "Filho do Homem", usada muitas vezes pelo Cristo, para referir-Se a Si mesmo, não é machista; é impessoal e universal, e possui vários significados espiritualmente sutis; um deles, considero que é: 'filho do UM' (OBS.: embora, filosoficamente, o UM não tenha partes e, portanto, não poderia ter 'filho', a contradição desta interpretação é apenas mental, pois os Sábios valem-Se de Unicidade e dualidade, de acordo com as circunstâncias). O Senhor Jesus via a todos como irmãos, filhos Daquilo que é a verdadeira Mãe de tudo o que existe, e amou tanto os Seus irmãos, que até mesmo perdoou aqueles que O pregaram na cruz.

Ensinam os Sábios que o ser humano nasce e morre acreditando ser filho de mulher, mas, no devido tempo, descobre que sempre foi e sempre será Filho do Homem; apenas a incessante atividade mental impedia que ele percebesse esta Verdade (estas palavras são incoerentes, para quem acha que vive-se apenas uma vez e, também, para quem não consegue dissociar-se da mente). A expressão 'no devido tempo' refere-se à evolução, consciente ou não, da alma; refere-se às pérolas espirituais que encontramos pelo caminho e que são acrescentadas ao tesouro que ladrão nenhum pode roubar (por que o 'grande ladrão' não consegue tirar este tesouro de nós, não sei, e acho que não é necessário sabermos; basta-nos confiar nas palavras Daqueles Que Sabem). Nós, que ainda acreditamos ser filhos de mulher, somos apegados à carne e ao sangue e enxergamos os demais como família ou não-família: para a família, todas as atenções; mas, para a não-família... (analise-se e complete a frase). Os Filhos do Homem, porém, têm tanto Amor incondicional para distribuir, que Sua família não limita-se a alguns parentes de sangue; Seu Amor estende-se por toda a humanidade (o verdadeiro Amor é aquele que não espera por nenhuma forma de gratidão, nem mesmo um 'obrigado' e nada tem a ver com o amor mundano, que é o único que conhecemos). Contudo, apesar de ser o Mensageiro do Amor, o Grande Instrutor passou-nos uma aparentemente insensível e dura lição, em relação ao engano de nossa origem única (UM); isto aconteceu na ocasião em que O avisaram que Sua mãe carnal (Maria) e Seus irmãos queriam Lhe falar e Ele respondeu: "Minha mãe e meus irmãos são aqueles que cumprem a vontade de Deus" (Marcos, 3.32). Esta é a resposta definitiva para o maléfico modismo atual (incompreensivelmente disseminado até mesmo pelos chamados 'cristãos', que, teoricamente, são seguidores do Cristo) de considerar que a família carnal é, como dizem, 'a base de tudo'. A terrível consequência desta crença é que cada um acha que, para estar em harmonia com a sua religião e ser considerado uma pessoa boa, basta amar a sua própria família carnal. Esta é mais uma ilusão, que é destruída pelo Cristo: "Se amais apenas vossos parentes e amigos, o que fazeis de mais?". Para melhorarmos o mundo, basta que aprendamos (o digitador, inclusive) a amar todas as famílias carnais (desconhecidas e inimigas, também), da mesma forma que amamos a nossa, como fazem os Filhos do Homem (mais um apelido para os Destruidores de Ilusões). Esta atitude é UM.

A afirmação "Eu e o Pai somos UM" não é arrogante; na verdade, é o ponto culminante da humildade e confirma o que todos os buscadores começam a perceber: que a força conhecida como "Deus" está presente tanto em Jesus, quanto nos demais seres humanos. Porém, como dirigia-Se a um povo escravizado, Ele não aprofundou-Se na questão da Unicidade e a razão é compreensível: como convencer aquela gente, revoltada e sufocada pelos dominadores romanos, que DEUS está em tudo, não sendo uma entidade separada, e que não cuidava apenas de uma raça 'escolhida'? Que DEUS protegia tanto os filhos de Israel, quanto os filhos de Roma? Que o mesmo respeito devotado a pai, mãe e cônjuge, devemos também demonstrar por todas as formas de vida? Aquele povo contava que, em futuro próximo, Deus destruiria seus inimigos e restabeleceria a 'justiça'; também tinha a tradição de sacrificar animais, a título de remissão dos pecados; portanto, desenganá-los não seria atitude aconselhável... Os verdadeiros Sábios têm plena consciência da unidade universal (UM), mas o Senhor Jesus não mergulhou no tema, pois até mesmo as multidões que O seguiam e que derramavam lágrimas diante de Suas obras, se escandalizariam (sabemos muito bem como o amor mundano transforma-se, facilmente, em ódio). No Evangelho atribuído ao apóstolo Tomé, descoberto no século passado, percebe-se claramente que o Grande Instrutor discursa mais profundamente sobre Unicidade, provavelmente porque os registros deste livro referem-se a conversas particulares, com Seus seguidores mais próximos.

Já o Senhor Buda e outros Sábios puderam falar abertamente sobre o UM e a consequente compaixão que o homem deveria ter para com todos os seres vivos, pois todos são filhos do mesmo Pai/Mãe. E, embora uma pedra não tenha consciência, ela também é parte do UM. O Cristo afirmou (não referindo-Se ao homem Jesus) "Eu e o Pai somos UM" e o significado sutil da frase é:

Uma pedra e o Pai são UM

Uma planta e o Pai são UM

Uma formiga e o Pai são UM

O(A) leitor(a) e o Pai são UM

O digitador e o Pai são UM

Nosso maior inimigo e o Pai são UM

Tudo é UM

Só há UM

 

A aplicação incondicional e sincera, na vida cotidiana, das conclusões acima, é o ponto culminante da jornada do homem (Reino de Deus). Os buscadores têm consciência do UM, mas de forma intermitente (como aconteceu comigo e foi relatado em "Altos e baixos"). Os Sábios, entretanto, não esquecem esta Verdade nem por um segundo, independentemente das atividades em que Seus corpos/mentes estejam envolvidos; isto garante Bhagavan Ramana Maharshi, que, com Seu exemplo de vida, provou que assim é.

 

 

Por mim, nada posso; mas, por Ti, EU POSSO.

 

27/06/2007