DESTINO  x  LIVRE-ARBÍTRIO

 

 

Há algumas semanas, estava reunido com 2 pessoas no trabalho e, durante um intervalo informal, uma delas desabafou que passava por uma fase depressiva e que sua cabeça andava cheia de pensamentos sombrios. A outra pessoa aconselhou-a a não pensar em coisas ruins, apenas nas boas. Observei esta conversa sem participar e sem deixar transparecer a surpresa por tal conselho, já que, quem o deu, também é visto sendo jogado de lá para cá pela vida, como um barquinho em mar tempestuoso. A curiosa resposta do sofredor indica, pelo menos, que ele desconfia quem manda: "Pois é, seria bom se eu conseguisse pensar no que eu quero...".

Como sabemos, é extremamente agradável o pensamento de que somos ou podemos ser senhores do Destino. Se alguém, não importa o seu currículo, anuncia que temos poder para mudar as circunstâncias da vida, imediatamente nos atiramos a seus pés, implorando que ele nos ensine como se faz... Não apenas pelo prazer, os seres humanos gostam de ser enganados assim; mas, também para evitar o desespero, que provocaria a certeza de um destino irrevogável.

Nunca tentei convencer os outros, através de argumentações, sobre quaisquer verdades 'minhas' e não vou começar a fazer isto agora. Proponho, sim, um teste, para que cada um decida sobre a questão (teste este que fiz, na ocasião em que o texto "Carma & mundo" foi escrito, e comprovei que ele acabou com as dúvidas).

Escolha um pensamento que nada tenha a ver com o seu processo mental habitual (pense em uma baleia dirigindo um automóvel ou em outro absurdo qualquer). Concentre-se no tal pensamento, crie uma imagem mental dele, e mantenha esta condição por 1 minuto, sem permitir que nada o interrompa. Você diz que é senhor(a) da sua vida; então será fácil recusar, por apenas 60 segundos, que outro pensamento tome o lugar daquele, sequer por 1 segundo. No final, se você tiver disposição/coragem para fazer este teste e for sincero(a) consigo mesmo(a), provavelmente admitirá que não consegue controlar a mente (e, consequentemente, a vida), nem por 10 segundos...

O intuito deste texto não é deprimir os buscadores que chegarem a esta conclusão; mas, atenuar ou, quiçá, destruir a ilusão/orgulho de que o livre-arbítrio está à disposição de nossos caprichos. Se o orgulho decrescer em nós, podemos sinceramente nos alegrar por contribuir para um mundo melhor, pois, repetindo:  quanto menos orgulho houver em cada ser humano, melhor o mundo será.

O livre-arbítrio não atua sobre o presente, apenas sobre o futuro (não me perguntem o que é 'passado', 'presente' e 'futuro', em relação ao 'agora', pois não saberia responder...). Neste momento, o destino governa nossas vidas, e este destino tivemos o livre-arbítrio de construir, ao longo da Existência. Destino (ou carma) é aquela força involuntária/subconsciente que lhe impediu de manter, durante um minutinho só, a mente consciente inteiramente focada no pensamento da baleia dirigindo um automóvel. É esta força quem está no comando; é ela quem determina nossos sentimentos, nossas palavras, nossas ações, etc., diante de cada acontecimento do cotidiano: desde os mínimos detalhes, até as grandes decisões. Por isto, dizem os verdadeiros Sábios que tudo está determinado, nada pode ser mudado.

Nada pode ser mudado no presente, pois a mente subconsciente é muito mais poderosa do que a vontade consciente do ego; aquela, e não esta, decide como agiremos hoje, e nossos vícios provam isto. Exemplo: é fácil encontrar gente extremamente inteligente e decidida, escravizada ao fumo, enganando-se de que este é um hábito sofisticado e que ela tem personalidade forte, por fazer parte da turma que continua fumando. No fundo do coração, sabemos muito bem que qualquer vício mundano nos enfraquece/degrada e que vencê-lo(s) é tarefa hercúlea. Então, é mais cômodo fingir que eles são bons e as diferenciam das demais. Também por comodismo, usamos argumentação oposta: "Sou fraco(a) demais para vencer isto"... Nem a um extremo e nem ao outro: não entremos em batalhas que poderemos perder, mas também não nos acomodemos à situação. A seguir, exemplo de como o livre-arbítrio opera em prol da Evolução, independentemente do processo mental (razão/intelecto).

Todos os vícios, deste digitador, que já desapareceram (e eles eram amigos mui queridos, de longa data), seguiram o mesmo processo: independentemente de decisão pessoal (impulso ou desejo), sinalizava-o mentalmente como "abominável" ou "degradante" e prosseguia com a meditação diária, sem pensar mais no caso. De repente, a Força Interior manifestava-Se, afirmando: "Este, acabou!". E acabava mesmo, ali, naquele instante. Nunca foi necessário tratamento ou acompanhamento médico/psicológico; nem antes, nem depois. Portanto, tenha fé, paciência e perseverança, pois, o que é impossível para a mente/ego ("eu"), é facílimo para DEUS ("EU"), que está em todos nós. Estou mencionando vitórias comprovadamente possíveis, sem auxílio 'exterior', para incentivá-lo(a); não estou sugerindo que você enfrente o destino, usando o método que funciona para 'mim' (mesmo porque seria impossível descrever os seus detalhes sutis). O método correto lhe ocorrerá intuitivamente, assim como acontece para todos os buscadores. Havendo sincero anelo por livrarmo-nos das tendências mentais (defeitos, hábitos, etc.) que nos mantêm acorrentados à ignorância, a Ajuda Interior se manifestará na hora certa, com certeza.

Em relação à polêmica intelectual "Destino versus Livre-arbítrio", analisando agora as vitórias alcançadas, percebo que o livre-arbítrio agiu silenciosamente para 'mudar o futuro', enquanto o vício indesejável era, no 'presente', suportado o mais pacientemente possível. A decisão de aceitar os males e limitações atuais (destino), não é covardia ou fraqueza, como 'eu' consideraria, uns 15 anos atrás; esta atitude, ao contrário, nos fortalece e ensina da forma correta, preparando-nos para as muitas batalhas que ainda virão, em nossa escalada espiritual ("Não resistais ao mal"). Para esta alma, ficou claro que 'destino' e 'livre-arbítrio' não são forças excludentes/contraditórias: as duas interagem entre si, e determinam os caminhos de cada ser vivente.

Considerando o esclarecimento interior, hoje sei que não há livre-arbítrio para aquilo que ainda consideramos ser nós mesmos (o ego, o "fulano de tal", o "eu"); do contrário, o Criador não seria Onipotente/Onisciente, mas sim um simples espectador das arbitrariedades de Suas criaturas. O livre-arbítrio verdadeiro é a Graça Divina, que é inseparável de nós; porém, não subordinada aos nossos impulsos e caprichos egocêntricos.

Caro(a) buscador(a): não desanime jamais, diante do inevitável destino presente, pois você ("EU") tem, neste exato momento, livre-arbítrio para construir o seu destino futuro. Prossiga com suas práticas espirituais e, não sendo egoísta o esforço, você não se afligirá pela demora do benefício e nem se atormentará para saber quando será este 'amanhã'. 

 

Os não dualistas podem criticar este texto, devido ao uso de vários conceitos relativos; mas, no nível espiritual da maioria dos buscadores (deste que digita, inclusive), a Realidade Última é conhecida apenas intelectualmente, sem a indispensável comprovação prática. Para nós, o mundo, o ego, o espaço, o tempo e o carma são reais e nos afetam. Se a experiência pessoal aqui descrita contribuir para reduzir o nível de orgulho mundial e para aumentar a fé na Força Interior, um grande "viva!" para a dualidade...

 

 

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Senhor, dai-me humildade e mansidão, para aceitar Teus desígnios; Força, para superar Tuas provas; e discernimento, para saber quando devo lutar ou aceitar.

 

25/10/2009

 

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